quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Situações Semelhantes

Ao longo desses dois anos a mamãe leu várias histórias e vários relatos de pessoas que passaram por situações semelhantes à nossa.
Hoje encontrei essa e me chamou muito a atenção por várias semelhanças...
Lendo esse texto abaixo me dei conta de que fiz certo algumas coisas: não mudamos de cidade, nem de casa, como muitas pessoas me aconselharam na época... não desfiz das coisas do papai, não mudamos a nossa rotina, tudo para que você tivesse sempre um pouco dele por perto, para que maior medo não se concretizasse, o de você não se lembrar do papai.
Imagino que muitos dos questionamentos abaixo serão um dia seus...

“Foi bom que você não sentiu a morte do seu pai”

A jornalista Silvia Amelia de Araújo tinha apenas 2 anos quando seu pai faleceu. Diferentemente dos irmãos mais velhos, ela não compreendeu de imediato a notícia da morte mas, como explica nesse relato emocionante, sentiu a ausência tão fortemente que o luto acabou fazendo parte da formação de sua identidade.

Não sou boa em guardar aniversários. Já esqueci o de quase todas as pessoas que eu amo. Mas não me esqueço do aniversário do meu pai. Único que nunca comemorei.
O meu pai morreu aos 37 anos. De um infarto fulminante. Em uma manhã de Natal. Eu estava prestes a completar dois anos. Então não me lembro dele.
Já escutei de algumas pessoas “foi bom que você não sentiu a morte do seu pai”, se referindo aos meus irmãos estarem mais grandinhos, com 9 e 11 anos, e terem sido capazes de compreender de imediato a notícia da morte do nosso pai e eu não.
Agora imagine uma criança muito pequena que ama o pai, porque nessa idade já se sabe amar. E antes de entender a morte, já se entende o desaparecimento. Então, pra mim, naquela idade, foi isso, o meu pai que eu amava sumiu. Esse pai que tinha o costume de viajar para trabalhar um dia foi e não voltou mais. Não chegou para a nossa tradicional volta de Kombi pelo quarteirão. Nós mudamos de imediato de casa e de cidade. Ao mesmo tempo todo mundo ficou extremamente triste em volta, minha mãe principalmente. Claro que eu senti. Compreender e sentir são coisas diferentes.
Até hoje, já quase com a idade máxima que meu pai pôde ter, eu choro a morte dele. Quanto mais eu me aproximo dos 37, mais tenho noção do pouco tempo que ele esteve por aqui. Olho para os meus irmãos, já mais velhos do que foi o meu pai e vejo que são jovens ainda. Isso me dá a dimensão da tragédia que foi a morte repentina dele.
Minha mãe diz que meses depois que meu pai morreu eu achei uma foto de um homem barbudo no jornal e fiquei apontando admirada “ó, ó, ó” sem falar nada mais, como quem diz “olha aqui, é ele, finalmente o encontrei”. Meu tio Décio, o mais fisicamente parecido com meu pai, foi nos visitar e, conta minha mãe, eu quando o vi surgir no portão levantei eufórica! Meu tio percebeu que eu estava confundindo ele com meu pai e foi embora chorando para casa.
O luto fez parte da formação da minha identidade. Desde que tenho consciência de mim, eu sou uma menina órfã. Nas minhas primeiras lembranças estão os cochichos a minha volta “tadinha, ela não tem pai, o pai morreu”.
Alguns parentes distantes, que quase nunca encontram minha família, quando me veem dizem uma expressão engraçada: “ela é a bebezinha”. É que eu fiquei marcada na cabeça de todos como a neném órfã, que todos viram quando vieram para o velório do meu pai e que, dizem, foi o dia mais triste do mundo. Triste por ele ser jovem, triste por ter três crianças pequenas, o mais velho com uma doença mental. Triste porque ele e minha mãe eram apaixonados e porque ele vivia um momento de prosperidade no trabalho. Triste porque era dia de Natal. Triste.
Todo Natal eu conto o tempo da sua morte, todo 20 de outubro eu penso em quantos anos ele faria. E penso em como teria sido minha vida com ele. Como seria se ele existisse agora aqui. Minha mãe diz que eu puxei dele meu jeito de ser carinhosa com as pessoas. Será que nós, dois grudentos, viveríamos abraçadinhos?
Será que eu teria alguma brincadeira com ele de puxar seu bigode ou apertar sua barriga? Apelidos só nossos? Será que a gente ia discutir demais? O que ele iria achar da situação política do Brasil? Como seria ter visto as Copas do Mundo com ele? A gente tomaria muita cerveja juntos? E em quais filmes eu teria levado ele comigo ao cinema? E o que ele ia achar de eu me casar com um homem do cinema? Que avô ele seria para o Francisco e a Ana Clara, filhos da minha irmã? E para os filhos que ainda não tive?
Às vezes, quando estou triste, com a autoestima baixa, penso que meu pai falaria algo bom pra mim, de uma forma talvez exagerada e engraçada. Diria que estou linda mesmo quando outras pessoas estiverem me sugerindo emagrecer, por exemplo. Acreditaria que eu tenho talento. E me abraçaria com um força sufocante. Fantasio essa vida boa com ele. Contribui pra isso que o meu pai foi um cara legal, carismático e generoso. As pessoas se lembram dele com muito carinho, com brilho nos olhos. Vários homens já me falaram “o seu pai foi o melhor amigo que eu tive”.
Esse foi o legado que ele me deixou. Tento de coração ser uma boa amiga para os meus amigos. Perder um pai jovem me faz também ter muita consciência de que a morte existe e ela pode vir a qualquer hora. Até no momento mais feliz da sua vida.
Ficou ainda pra mim o exemplo de amor e companheirismo dele e minha mãe. Mas não consigo fantasiar que ele me vê agora. Isso eu não consigo. Essa é uma forma que as pessoas consolam a gente. De onde ele está, ele está vendo você. Não consigo acreditar nisso. Gostaria muito. Mas só penso que perdi meu pai, perdi a chance de conhece-lo, de conhecer também seus defeitos, de ter do que reclamar, de ter historias com ele para me lembrar.
Minha irmã, quando criança, perguntou no catecismo como seria morrer velha e chegar ao céu e encontrar o pai jovem. A catequista disse que a alma não tinha idade ou aparência.
Se céu existir, talvez um dia a gente se abrace e comemore um aniversário dele juntos. Espero que almas possam se abraçar.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

E já se foram 2 anos...

Sabe filha, a mamãe nem acredita que já se passaram dois anos sem o papai aqui com a gente... continuo repetindo que parece que foi ontem. Esses dias não estou muito bem, há meses não ficava tão triste, tão estressada. Mas as datas mexem demais comigo e além de tudo se aproxima o Natal... Ah filha como a mamãe gostava no Natal... hoje me sinto perdida e sem vontade de fazer nada.
Nesses dois anos você foi para a escola, continuou a natação, fez várias apresentações inclusive; fomos para a praia, você conheceu as cataratas, você foi dama por três vezes... casamos o tio Neuber, a Tatá, o Vinícius... fizemos algumas fotos, passeamos com os amigos... você já escreve seu nome, conhece todas as letras, os números e faz conta de cabeça; mas não vemos mais o papai com a gente. 
Reformamos a nossa casa, doamos seu quarto de bebê, algumas roupas suas consegui doar, poucas, a maioria ficaram guardadas no sonho de que você tivesse uma irmã. Assim como as coisas do papai... estão praticamente todas aqui, consegui doar pouquíssimas coisas, talvez na esperança de que ele chegasse... 
Uma mistura de "ufa, conseguimos, vencemos dois anos" com "mas e agora?". Juro que às vezes não acredito e ainda penso que o pesadelo vai acabar. Dói muito, uma dor sem remédio, vamos vivendo com ela, sentindo ela, falando dela entre nós duas.
Hoje fiquei pensando em como estaria a nossa vida se o papai estivesse aqui... Possivelmente estaríamos morando em outra casa, ou até mesmo em Patrocínio, você ia gostar né...
Talvez você teria um irmão, o João Vitor; ou uma irmã, a Ana Laura, ou os dois; gêmeos como o papai queria ter... um cachorrinho pra brincar com vocês, se tivesse espaço externo. O papai não gostava muito de animais dentro de casa.
Talvez a mamãe estaria grávida e novo... já pensou? Eu penso sempre... ah quanta saudade daquele barrigão e de sentir aquela vida dentro de mim... 
Não sei em que eu estaria trabalhando ou se estaria cuidando apenas das crianças como estou agora com você... confesso que pra mim essa é a parte menos importante.
Mas uma coisa eu imagino, estaríamos mais felizes, choraríamos menos... a nossa família estaria aqui. A verdade filha é que são muitos talvez, fácil é imaginar um sonho; um sonho que ficou pela metade e que judia tanto de mim.
Hoje também falamos sobre nós duas, conversamos sobre você não me obedecer quando estamos com seus avós, e acabei de falar como é complicado estar sozinha, é difícil perder o termômetro. Sei que às vezes estrapolo demais por medo de relaxar na sua educação, e sabe o que você me disse? "Eu confio em você mamãe, você vai ser boa", ah meu coração não aguenta tanta fofura, tanto amor.
Minha amada queria muito mesmo que esses dois anos tivessem sido diferentes, não só esses como todos os outros que virão, me esforço muito para deixá-los mais amenos, mais brandos, mais cheios de amor. Muitas vezes passo por cima dos meus limites, do meu orgulho e enfrento até situações que me deixam mal, só pra ver o sorriso lindo no seu rosto.
Obrigada por me ajudar todos os dias, eu também confio em você e sei que vai ser muito boa. E com a ajuda de Deus, da nossa Mãezinha Imaculada e do papai lá em cima, vamos seguindo como você me disse quando estávamos rezando, "você cuida de mim mamãe e eu cuido de você"!